Investigação

Dados nacionais de psoríase reforçam subdiagnóstico e subtratamento dos doentes

No âmbito do 21.º Congresso Nacional de Dermatologia e Venereologia, que decorreu de 11 a 13 de novembro no Porto, o Grupo Português de Psoríase organizou uma sessão na qual apresentou os dados do estudo epidemiológico realizado para perceber a dimensão e impacto da doença em Portugal.
Coube ao responsável pela Consulta de Psoríase no Serviço de Dermatologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto, Tiago Torres, dar a conhecer todas as informações referentes ao trabalho.

Tal como referido por Tiago Torres no início da sua intervenção, este trabalho contou com a colaboração do Grupo Português de Psoríase da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (GPP-SPDV) e com o apoio da indústria farmacêutica, nomeadamente, da Novartis, Lilly, AbbVie, UCB, Almirall e LEO Pharma.

Em jeito de introdução, o assistente hospitalar de Dermatologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto lembrou que a psoríase “é uma doença que tem um enorme impacto físico, psicológico, social e económico”, com “implicações importantes nos sistemas de saúde”. Dados publicados previamente mostram que a prevalência estimada para esta doença, a nível mundial, situam-se entre os 0,51 e os 11,43%, estando “muito dependente dos países e também do tipo de estudo que é realizado”. Já em Portugal, os “dados de prevalência e caracterização da população portuguesa com psoríase em Portugal é muito diminuta”, tendo havido um pequeno estudo publicado em 1999 realizado apenas no Norte do país. “Habitualmente, falamos que em Portugal há uma prevalência de cerca de 2%, ou seja, cerca de 200 mil doentes com psoríase, mas não temos dados que suportem este valor”, afirmou, completando: “Era fundamental termos dados e conseguimos, de facto, caracterizar a população portuguesa com psoríase, de forma a que se possa pensar em estratégias e protocolos, para abordarmos melhor a doença e também formas de como é que o sistema de saúde pode atuar nestes doentes”.

Assim, de acordo com Tiago Torres, “o objetivo do estudo foi caracterizar epidemiologicamente os doentes com psoríase em Portugal, com enfoque em cinco grandes tópicos: prevalência da doença, caracterização clínica, impacto na qualidade de vida, comorbilidades e abordagem
clínica dos doentes”.

Sobre os métodos utilizados, o especialista explicou que se tratou de um “estudo observacional, nacional, populacional, desenvolvido pelo GPP-SPDV, juntamente com a Unidade de Investigação em Epidemiologia – ISPUP da Universidade de Porto”, que “consistiu num questionário telefónico estruturado, aplicado entre maio de 2021 e novembro de 2021, de forma aleatória, a uma amostra representativa da população portuguesa com psoríase”. O questionário incidiu em seis principais secções:

› Secção I: Caracterização demográfica da amostra global;

› Secção II: Caracterização demográfica da subamostra com psoríase;

› Secção III: hábitos sociais, medicação habitual e comorbilidades dos doentes com psoríase;

› Secção IV: Características clínicas e impacto da psoríase;

› Secção V: Tratamento da psoríase;

› Secção VI: Artrite psoriática.

“A pergunta que feita inicialmente para um doente poder ser considerado como tendo psoríase era se tinham diagnóstico médico da doença ou, em caso negativo, se tinha alguma doença de pele que fosse caracterizada por descamação, lesões eritematosas e escamação que se localizassem preferencialmente nos cotovelos, nos joelhos e no couro cabeludo. E também estes doentes foram considerados como tendo psoríase”, descreveu.

Resultados do estudo

Passando aos resultados e dividindo-os por secção de interesse, Tiago Torres referiu que das várias chamadas telefónicas realizadas, “foram atendidos 6381 telefonemas, dos quais 283 tinham critérios de psoríase”. “Tivemos telefonemas atendidos e doentes das várias áreas de Portugal. E comparando com os dados nacionais de estatística, não se observou diferença em termos de sexo, de idade e de educa-
ção. Por isso, esta amostra global, das 6381 pessoas que atenderam as chamadas, era representativa da população portuguesa”, assegurou.

Quanto à secção II, 283 pessoas “tinham critérios de psoríase, o que permitiu estimar a prevalência em 4,4%”, o que na perspetiva do palestrante é “claramente superior ao que habitualmente se considera em Portugal”. Desta subamostra, “47% era do sexo feminino e 69% tinham mais de 40 anos”. “E muito interessante, o primeiro ponto que é importante focar: 76% tinham um diagnóstico de psoríase, a maioria atribuído por dermatologista (57%), mas também pelo médico de família (11%) e pelo reumatologista (1%). E 24% das pessoas preenchiam os critérios selecionados para serem considerados com psoríase, mas não tinham um diagnóstico médico da doença, mostrando que existe subdiagnóstico em Portugal”, afiançou.

Sobre a secção III – hábitos sociais, medicação habitual e comorbilidades dos doentes com psoríase –, Tiago Torres mostrou que “59% eram fumadores, 89% bebiam álcool (não foi possível estimar a quantidade), 59% não faziam qualquer tipo de atividade física e 41,9% tinha uma vida sedentária, e 60% tinham excesso de peso ou obesidade”. “50% dos doentes com psoríase tinham comorbilidades relevantes, para
as quais eram seguidos por um médico, necessitando, em 52% dos casos, de medicação para as mesmas”, esclareceu, salientando que 17,5% dos doentes reportou depressão ou ansiedade como comorbilidade “mais prevalente, seguida de múltiplas comorbilidades cardiometabólicas”, e 5,5% tinha tido ou ainda teria no momento uma neoplasia maligna.

Relativamente à secção IV e começando pelas características clínicas, o médico evidenciou que a “a idade média do início de sintomas foi de 29,7 anos” e que “o diagnóstico foi feito, em média, três anos depois”. “62% não tinham história familiar de psoríase. 82% dos doentes já tinham sido vistos pelo menos uma vez por um dermatologista e 32% estavam no momento a ser seguidos por um médico, a grande maioria (68%) por um dermatologista. 1,5% já tinham sido hospitalizados devido a psoríase e 17% já tinham ido a uma urgência pelo menos uma vez pela psoríase”, relatou. Sobre os doentes com doença ativa, estes “tinham lesões de psoríase, cujas localizações mais comuns no momento eram o couro cabeludo (59%), os cotovelos (50%), a face (25%), os genitais (18%), as unhas (15%) e palmoplantar (9%)”. “Isto está de acordo com o que vamos vendo na literatura, mas com este estudo percebemos que a percentagem de doentes com lesões em áreas de grande impacto é, de facto, muito elevado”, sublinhou, expondo ainda os sinais e sintomas mais frequentemente observados: descamação (80%), eritema (73%) e prurido (73%).

Também na secção IV, mas focando-se no impacto da doença, Tiago Torres mencionou que “16% dos doentes reportaram que a psoríase interferia com as atividades do seu dia a dia, 12% que a doença tinha impacto na sua atividade sexual (numa pontuação de 0 a 10, em que a média deste impacto era de 5), 7% admitiram que a psoríase tinha interferido com a sua escolha na carreira, 4% já tinham estado de baixa devido à sua doença, 7% referiram que a sua patologia afetava a forma como tomavam conta dos seus filhos e 61% indicaram estar preocupados que os seus filhos pudessem desenvolver a doença”.

Entrando na secção V, tratamento da psoríase, o palestrante disse que “a maioria dos doentes nunca tinha recebido terapêutica sistémica, fosse oral ou injetável”, o que reforça a “questão do subtratamento”, já que “muitos doentes não estão a receber o tratamento que precisam para a sua doença”. Ainda assim, “71% dos doentes estavam a ser tratados com terapêutica tópica e apenas 12,1% estavam a
ser tratados com terapêutica sistémica, sendo que apenas 3,3% recebiam terapêutica biológica”. Quando questionados sobre “se estavam satisfeitos relativamente ao seu tratamento, foram essencialmente os doentes que estavam sob terapêutica injetável que demonstraram essa satisfação”. “Quisemos também tentar perceber o que é que era importante para o doente quando procura um tratamento. E era muito importante a resolução completa das lesões (65% dos doentes colocaram como sendo a primeira opção). Foi igualmente interessante ver que é muito importante para o doente ser muito rápida a sua resolução das lesões (64%). Outros fatores mencionados foram a melhoria do prurido (50%) e da qualidade de vida (45%). E por último, foi referida a segurança (41%)”, notou.

Por fim, na secção VI, Tiago Torres explicou que foram “tentar perceber – com várias limitações – se havia ou não a possibilidade de os doentes estarem diagnosticados ou terem artrite psoriática”. Para isso, foi colocada a questão sobre “se tinham o diagnóstico de artrite psoriática, se estariam em consulta de Reumatologia devido a problemas articulares ou se já tinham tido edema das articulações, fosse
das mãos, pés, punhos, joelhos ou tornozelos”. “42% dos doentes com psoríase tinham critérios para artrite psoriática e apenas 18% tinham diagnóstico confirmado por um médico. 60% confirmavam que as manifestações articulares tinham aparecido após as lesões de pele e 25% referiram que a sua dor articular não estava controlada”, declarou.

Na reta final da sua apresentação, o médico falou sobre as limitações deste estudo: “Existem várias, mas a primeira é, desde logo, o facto de o doente não ser diagnosticado naquele momento e, por isso, estamos dependentes do que nos é informado no questionário. Por outro lado, não tivemos possibilidade de utilizar escalas como a DLQI para perceber o impacto na qualidade de vida. Os questionários não podem ser extremamente longos porque senão perdemos o doente e, portanto, é inevitável utilizarmos versões mais curtas para conseguirmos captar o máximo de informação. E naturalmente, toda a questão da artrite psoriática tem várias limitações”.

Principais mensagens do estudo

Em termos de discussão, o preletor asseverou que a prevalência se revelou “mais alta do que o esperado” e que significa que, aproximadamente, “440 mil pessoas em Portugal terão psoríase”, o que é, “de facto, um impacto muito grande para o sistema de saúde”. “Este aumento da prevalência pode também refletir algum conhecimento e sensibilização relativamente à doença. Por outro lado, a psoríase está subdiagnosticada em Portugal, uma vez que 24% dos doentes que considerámos como tendo psoríase, não tinham diagnóstico oficial da doença”, afirmou, continuando: “Há algum tempo entre o início das manifestações e o diagnóstico médico. Este atraso tem impacto na história natural do doente e o tratamento acaba por ser mais tardio. E os próprios resultados do tratamento podem ser afetados. Portanto, claramente, precisamos de melhorar as estratégias de sensibilização e de screening/diagnóstico, para que estes doentes sejam reconhecidos mais cedo e iniciem tratamento mais cedo”.

Para o especialista, outro aspeto “muito importante” foi a constatação do “subtratamento da psoríase em Portugal”, algo que vai ao encontro de “múltiplos estudos de outros países”. “Não tivemos a capacidade de avaliar a gravidade da doença, doente a doente, mas a percentagem de doentes com manifestações em áreas de grande impacto é muito elevado, tendo tudo isto impacto na qualidade de vida”, realçou, lembrando igualmente o que foi observado em termos de comorbilidades que são impactantes na saúde global dos doentes.

“A grande conclusão é que este estudo permitiu-nos identificar, perceber e analisar vários problemas relacionados com o diagnóstico e a abordagem terapêutica dos doentes psoriáticos em Portugal. Com estes dados, vamos poder discutir entre nós intervenções futuras para melhorar a vida destes doentes”, enalteceu, deixando como “três mensagens-chave importantes do estudo”:

› A psoríase é muito prevalente em Portugal – 4,4%;

› A psoríase tem grande impacto nos doentes, quer físico, quer psicológico, quer como doença pelas várias comorbilidades associadas;

› A psoríase é, ainda, subdiagnosticada e subtratada em Portugal.