Como responder às necessidades dos doentes dermatológicos nas farmácias? Gabriela Plácido esclarece
No atual contexto de pandemia por Covid-19, o aumento de níveis de stress, o confinamento, a limitação de acesso aos cuidados de saúde, e as exigências de higienização de mãos e de uso de máscaras, conduziram a um número crescente de solicitações de intervenção farmacêutica na área das afeções dermatológicas, sobretudo, nos problemas de pele atópica e psoríase.
Com o intuito de abordar estes e outros desafios na atenção farmacêutica centrada no doente dermatológico, o Farmacêutico News promoveu, no passado dia 18 de junho, um webinar que contou com a participação da farmacêutica comunitária e docente da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL) Gabriela Plácido, que começou por explicar que “são muitas as afeções dermatológicas que surgem na farmácia, desde situações mais simples como picadas de insetos, queimaduras solares ou prurido, a situações mais complexas como acne, rosácea, infeções cutâneas, dermatites ou psoríase”. Ultimamente, advogou, “parece haver um crescimento de casos de patologias cutâneas inflamatórias”, como o são a dermatite atópica (DA) e a psoríase.
Em tempos ditos normais, entenda-se pré-Covid-19, as pessoas com problemas dermatológicos que recorrem à farmácia apresentam diferentes necessidades, para as quais têm que ser adotadas diferentes abordagens por parte do farmacêutico: apresentam-se com uma afeção na pele que causa desconforto, mas que desconhecem e por isso precisam de apoio do farmacêutico; têm já uma patologia cutânea diagnosticada e vão levantar a sua terapêutica; ou têm um diagnóstico prévio com episódio de agudização sintomática e precisam de tratamento de alívio e muitas vezes de orientação.
No primeiro caso – o da apresentação de uma queixa –, “para além de uma avaliação subjetiva de sintomas, é fundamental numa pessoa com afeção dermatológica a observação da zona afetada”, referiu Gabriela Plácido, acrescentando que cabe ao farmacêutico ver e avaliar o aspeto geral da lesão. Só depois de recolhida toda a informação sobre a afeção, “nomeadamente as características especificas e diferenciais das patologias cutâneas e critérios de referenciação, o farmacêutico decide se pode/deve intervir ou se deve referenciar o utente para o médico, por a situação exigir avaliação clínica e eventual terapêutica sujeita a receita médica”, explicou a farmacêutica.
DA e psoríase: Patologias que podem ser confundidas
“Em determinadas circunstâncias ou fases a psoríase e alguns tipos de dermatite podem ser confundidas”, salientou a professora da FFUL, para justificar a necessidade de, face a uma queixa, o farmacêutico saber diferenciar as possíveis afeções cutâneas e identificar a presença de critérios de referenciação específicos, nomeadamente a severidade, localização e extensão das lesões, bem como patologias e/ou terapêutica preexistentes.
“Enquanto que, no geral as dermatites sobretudo ligeiras a moderadas, são passíveis de intervenção na farmácia, com recomendação de terapêutica medicamentosas e/ou adjuvante, a identificação de suspeitos de psoríase, exige sempre referenciação ao médico, por ser uma doença de caracter sistémico, que deve ser diagnosticada e tratada o mais precocemente possível, uma vez que os resultados serão tanto melhores quanto mais cedo se iniciar a intervenção”, destacou a farmacêutica.
Dispensa de Enstilar pela primeira vez: Explicar a doença e esclarecer o objetivo do tratamento
No caso da ida à farmácia para dispensa de um medicamento pela primeira vez, Gabriela Plácido recorreu ao exemplo do Enstilar para salientar a importância do papel do farmacêutico desde logo no esclarecimento adicional sobre a doença (psoríase) e acerca do objetivo do tratamento que, neste caso, passa por “reduzir a inflamação e remover as escamas, o que significa aproximar o aspeto das lesões ao aspeto da pele sã, permitir o controlo da doença e melhorar a qualidade de vida da pessoa”, referiu.
“Quando”, “como” e “quanto” são os aspetos fulcrais no que concerne à utilização e aplicação desta espuma que urge esclarecer junto do doente que vai fazer esta terapêutica pela primeira vez. De acordo com a farmacêutica comunitária, “em relação ao quando, aplicar uma vez por dia, quando der mais jeito (pode ser mais conveniente usar à noite para evitar exposição solar); relativamente ao como, é preciso agitar o recipiente e a uma distância de mais ou menos três centímetros e pulverizar a espuma diretamente na pele, apenas nas zonas com lesões psoriática e deve ficar claro para o doente que o recipiente não pode estar em posição horizontal no momento da pulverização; no que concerne ao quanto, importa evitar utilizar mais de 15 g por dia, o que corresponde à quantidade de espuma que sai do aplicador se pressionado totalmente durante um minuto”.
Igualmente importante, segundo esta profissional de saúde, é que “Enstilar não deve ser aplicado em área superior a 30% da pele corporal; deve ficar claro que o período de tratamento normal é de quatro semanas, mas que o doente deverá seguir as indicações do medico, e que a interrupção, sobretudo se a aplicação for prolongada, exige no geral, uma suspensão gradual; a suspensão abrupta pode desencadear uma crise”.
A este respeito, Gabriela Plácido reforça: “Não há resultados positivos se não houver adesão à terapêutica, de acordo com o que a recomendação do médico. De salientar, que o farmacêutico comunitário tem um papel crucial na promoção da adesão à terapêutica”.
Pandemia obrigou farmácias a serem adaptativas e criativas
No contexto pandémico, particularmente no caso do doente dermatológico, o atendimento farmacêutico pelo postigo dificultou muito a comunicação e observação e no caso das afeções dermatológicas “tornou-se um desafio manter a qualidade e rigor na observação”, referiu a professora da FFUL, esclarecendo que “a alternativa encontrada foi avançar para um modelo de tele-atendimento”.
A pandemia elevou os níveis de ansiedade e stress – importantes fatores desencadeantes e agravantes de doenças dermatológicas, como no caso da psoríase e dermatite atópica – e, paralelamente a isto, as limitações de acesso às consultas programadas, os receios relativos à manutenção da terapêutica (caso dos medicamentos biológicos), o confinamento em casa e o aumento da utilização de agentes de higienização da pele, nomeadamente detergentes e álcool, foram fatores que conduziram ao aparecimento de novos casos e à agudização de casos existentes.
Perante esta realidade e confrontado com estas situações, o farmacêutico “deve ter, antes de mais, uma abordagem tranquilizadora: avaliar a situação, identificar se a situações é inicial ou se se se tem em presença um doente dermatológico diagnosticado, perceber a extensão e grau de severidade das lesões. Em situações de necessidades de exame objetivo – observação – propor vídeo-atendimento ou tele-atendimento com envio de fotografia da lesão para avaliação”.
Em jeito de conclusão, Gabriela Plácido deixou uma mensagem: “os farmacêuticos comunitários têm nos tempos que correm uma oportunidade de ouro para reforçarem o seu papel na comunidade, junto dos doentes, colocando ao serviço dos utentes todo o seu conhecimento, toda a sua capacidade de apoio e de orientação e de transmitir aos outros players e stakeholders aquilo que o farmacêutico comunitário está capacitado para fazer. Dá trabalho, mas traz muita satisfação profissional e pessoal. Mais do que uma mensagem, é um desejo”.